Adolf von Harnack: O que é Cristianismo? - Parte 1
Adolf von Harnack, O que é Cristianismo?[1]
Amados
leitores,
Faz tempo
que eu queria tratar esse livro de Adolf von Harnack, “O que é Cristianismo?”. Estive consciente da existência desse livro
desde a época em que estava estudando no Seminário, na Holanda, mas nunca tive a
oportunidade de o ler, porque era difícil encontrá-lo nas livrarias ou nos
sebos. Só encontrei aqui no Brasil, quando estava pesquisando outro material
para os meus estudos e de repente vi, no meio das prateleiras, o título desse
livro que foi escrito por um grande teólogo na véspera do século XX.
O livro teve
uma grande influência no mundo ocidental. A introdução de Rudolf Bultmann é uma
testemunha disso. Ele disse (uns cinquenta anos depois) que o livro já havia
passado por catorze reimpressões em 1927 e foi traduzido para várias línguas. O
meu arquivo de dados confirma isso, e posso dizer que a pesquisa para o
verdadeiro Cristianismo não terminou, mas continua até hoje, no século XXI. A
publicação desse livro aqui no Brasil, na língua portuguesa, é um fato que
prova isso, mas tem que se dizer que a questão de o que é o verdadeiro
Cristianismo já passou por muitas etapas, e é ainda mais complicada hoje em dia
por causa da multidão de teologias do Novo Testamento que foram publicados no
século XX (mais tarde vou falar mais sobre isso) e por causa da Globalização do
Cristianismo, que aumentou a confusão em vez de resolvê-la. O livro de Harnack
é historicamente interessante para quem quer saber mais sobre a essência do
Cristianismo, mas o leitor deve estar consciente de que muito foi escrito
depois desse livro e contra esse livro. Além disso, o contexto do estudo do
Novo Testamento já mudou tanto que até a reação de Rudolf Bultmann se tornou
antiquada, o que não quer dizer que ela não tem nenhum valor.
Falando
sobre o contexto desse livro, Ronaldo Cavalcante, que escreveu uma boa
apresentação do livro, disse alguma coisa que quero destacar. Ele apresenta
Harnack como pesquisador que se esforçou para entender a evolução histórica do
cristianismo nos seus primeiros séculos e, particularmente, a formação das
ideias e a construção do pensamento cristão; isso em combinação com as
condições histórico-culturais que ensejaram tal realidade, para que se
produzisse, ao final do processo, o dogma. Ele diz também: “Tal pesquisa histórica está manifesta no seu
monumental Lehrbuch der Dogmengeschichte
– Manual de História do Dogma, em três volumes de 1894-1899. Nesta obra,
Harnack contemplará, em arguta análise, a fabricação do dogma no âmbito do
cristianismo como processo de assimilação no interior das categorias helênicas,
fazendo desemborcar, ao final, numa religião caricata, hipervalorizando a
teologia sistemática e a dogmatização, portanto, absolutamente desviada de seu
sentido original”. Então, quem quer saber mais detalhes sobre a pesquisa de
Harnack deve ler este livrinho e, depois, os três volumes monumentais sobre a
história do Dogma dele.
Ronaldo
Cavalcante mencionou também a forte oposição dos grandes teólogos do século XX,
como Barth, Bultmann, os Fundamentalistas nos EUA, o Catolicismo tradicional
por meio de A Loisy e o teólogo russo George Florosvsky. Eu vou compartilhar
com vocês as críticas de um teólogo contemporâneo de Harnack, sendo Herman
Bavinck. Bavinck era um teólogo reformado, que escreveu seu “Gereformeerde
Dogmatiek – Dogmática Reformada em quatro volumes, no início do século
XX. A quarta edição foi publicada no ano de 1928; a obra foi traduzida para o
Inglês no início do século XXI, e para o português em 2012, pela editora
Cultura Cristã. Pessoalmente gosto muito dessa Dogmática, porque oferece muitas
informações sobre a história do dogma e sempre apresenta uma posição
equilibrada e pacífica. Bavinck fez uma palestra sobre o tema “A essência do
Cristianismo”, que foi publicada pela primeira vez em 1906[2]
e mais uma vez em 1921, depois da morte dele. Ele foi um grande teólogo, que
conhecia bem a obra de Harnack, considerando o fato de que ele o cita
regulamente[3],
várias vezes positivamente, e às vezes para corrigir alguns detalhes. Quer
dizer, Bavinck mostrou um respeito pela obra de Harnack, mas não era dependente
dele, porque guardava a sua autonomia. Considerando que Bavinck é um teólogo
sistemático como Harnack e um contemporâneo, considero ele uma pessoa excelente
para avaliar as ideias de Harnack.
Depois
disso, apresentarei também uma parte de um livro do professor do Novo
Testamento Jakob van Bruggen, que trabalhava no mesmo seminário onde, cem anos
atrás, trabalhava Bavinck. A parte que quero citar fala sobre o século XIX e as
origens das teologias do Novo Testamento. Explicando isso, o professor van
Bruggen chega também a falar sobre “A
essência do Cristianismo” de Harnack. Depois ele continua e fala sobre o
fenômeno da publicação de Teologia do Novo Testamento, que caracteriza, por uma
parte, o estudo do Novo Testamento do século XX.
Antes de
chegar às avaliações desses dois homens eminentes, quero dizer algo sobre o
conteúdo do livro de Harnack. Infelizmente o sumário só oferece o número das
conferências que aconteceram, sem mencionar o conteúdo ou tópico de cada conferência.
Li o livro e tentei resumir o conteúdo de cada uma. O resultado, apresento
aqui.
Sumário
Apresentação por Ronaldo
Cavalcante;
Introdução por Rudolf
Bultmann;
Primeira Conferência:
Introdução;
Segunda Conferência: Os principais
elementos da mensagem proclamada por Jesus Cristo. As fontes do nosso
Conhecimento:
os três primeiros evangelhos e certas importantes afirmações de Paulo. Foi
excluído o
Quarto
Evangelho (!);
Terceira Conferência: A
mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus e a sua vinda;
Quarta Conferência: As
Bem-aventuranças, que nos mostram que o exercício do amor e da Misericórdia ao
próximo
são
a prova da excelência da religião de Jesus.
Quinta Conferência: O
problema apresentado pelos “pobres” no Evangelho: são as pessoas que abriam o
coração a
Deus,
e não os pobres em geral.
Sexta Conferência: A
relação entre o Evangelho, a Lei e os mandamentos legais.
Sétima Conferência:
Evangelho e Trabalho - questão da Civilização; Evangelho e Filho de Deus:
Questão Cristológica.
Oitava Conferência:
Evangelho e Doutrina: Questão do Credo.
Nona Conferência: A
história da religião cristã em suas fases principais. A religião na era
Apostólica-I;
Décima Conferência: A era
Apostólica- II.
Décima Primeira Conferência:
A religião Cristã e o Catolicismo.
Décima Segunda Conferência:
A religião Cristã no Catolicismo Grego I: Tradicionalismo e Intelectualismo.
Décima Terceira
Conferência: A religião Cristã no Catolicismo Grego II.
Décima Quarta Conferência:
A Religião Cristã no Catolicismo Romano.
Décima Quinta Conferência:
A Religião Cristã no Protestantismo.
Décima Sexta Conferência:
Os princípios básicos da Reforma e o preço que ela pagou.
Esse sumário deixa mais
claro que Harnack tentou definir a essência do Cristianismo usando as fontes
das Escrituras. O fato de que ele não usou o quarto Evangelho merece um estudo,
que possa explicar porque ele excluiu da essência do Cristianismo o fato de que
Jesus é considerado como o Cristo, o Filho de Deus. O quarto Evangelho se
destaca nesse ponto, mas não faz parte da pesquisa de Harnack. O Sumário mostra
também o confronto com as religiões cristãs que deixam a questão da essência do
Cristianismo mais complicada.
Depois iremos ouvir o que
Bavinck tem a dizer sobre esse assunto[4].
[1] Adolf von Harnack, O que é Cristianismo (Ed. Reflexão,
2014).
[2] Almanak van het
Studentencorps aan de VU 1906, p. 251-277. A
palestra foi dada diante dos estudantes da Universidade Livre em Amsterdã.
[3] Por exemplo, no primeiro volume (4ª edição, p. 92),
onde ele oferece uma avaliação do livro de Harnack sobre a essência do
Cristianismo. Lá ele diz claramente que “ficou mais provável atualmente que
Harnack está errado em sua opinião acerca da essência do Cristianismo, e não a
igreja de todos os séculos”.
[4] Esta parte é um resumo da palestra de Bavinck e foi traduzida
por mim.
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