Adolf von Harnack: O que é Cristianismo? - Parte 2

 

Herman Bavinck, A Essência do Cristianismo[1].

 

A questão sobre a essência do Cristianismo é do século XIX. Antes dessa época as pessoas estavam convencidas de que o Cristianismo era idêntico à Doutrina, ao Culto e ao Governo que se encontrava na sua própria comunidade religiosa. O que se desviava disso era considerado impuro e misturado com heresias menores ou maiores. Quando o número das denominações e das seitas aumentou, depois da Reforma, começou a surgir uma outra opinião sobre o Cristianismo. As pessoas começavam a fazer uma distinção entre assuntos da fé fundamentais e não-fundamentais; outras pessoas optaram pelo Credo Apostólico como base do Cristianismo; e outras tentaram chegar aos princípios básicos do antigo Cristianismo por meio de uma teologia do Novo Testamento.       

Muitas pessoas procuravam definir a essência do Cristianismo principalmente pela doutrina. Isso mudou por causa de Schleiermacher. De acordo com ele a religião não tinha a sua sede na mente ou na vontade, mas na alma e na experiência da dependência completa, como Cristo a manifestou. O senso da dependência completa e da plena comunhão com Deus estava nele continuamente presente. Então, dessa maneira se cumpriu completamente a essência da religião. Pela nossa inclusão na comunhão dele, ele nos leva à comunhão com Deus.

A essência do Cristianismo se achava, no início do século XIX, principalmente na pessoa de Cristo. Mas chegou a crítica histórica (Strauss) e as pessoas começaram a se perguntar: quem era Jesus? O estudo das fontes, principalmente os Evangelhos, devia responder essa pergunta. De acordo com Strauss devia-se fazer uma distinção clara entre a pessoa histórica de Jesus e o Cristo da Congregação. A personagem de Cristo é uma criação da congregação. Jesus não é o Cristo, mas recebeu o manto do Messias das mãos da congregação. Pessoas tentavam relacionar a origem do Cristianismo a outras influências (do Antigo Testamento, do Judaísmo, dos Essênios, do Talmude, do Helenismo, influência de Pérsia, Índia ou Babilônia-Assíria). Todos os momentos extraordinários que aconteceram na vida de Jesus tinham sido relacionados com as ideias mitológicas. Aqui se manifesta a influência da escola histórico-religiosa, com a qual Harnack nunca simpatizou.

Existe uma grande confusão a respeito de Jesus e cada um o coloca em frente da sua carroça ideológica. De acordo com fulano, Jesus é um reformador da moral, um pregador de misericórdia, que se opôs contra tudo o que é superficial na religião e que queria fundar uma religião espiritual com um interior puro. Beltrano observa Jesus como precursor do Socialismo, que protegia os pobres contra a violência dos ricos e dos poderosos; e Sicrano acha que Jesus é um pregador de um tipo de auto-salvação como a do Budismo, que condenava a cultura e quis levar as pessoas de volta para a verdade e a simplicidade da natureza. Tantas cabeças, tantas ideias.

                O homem que se destacou no meio de todos foi o Professor de Berlim: Adolf von Harnack. Ele fez várias palestras sobre este assunto no inverno de 1899/1900. As ideias dele encontraram muita ressonância nos seus congêneres, e também muitos cientistas judaicos e alguns estudiosos católicos, como Loisy. Os oponentes disseram que Harnack se manifestou como defensor da teologia liberal e oponente da Cristologia Eclesiástica; o Cristianismo dele era vazio: ele tirou o caroço e o núcleo; o resultado foi um Cristianismo sem Trinidade, sem Cristo, sem reconciliação, sem igreja e sem sacramentos! O espírito da época, a religião como “alguma coisa particular” e a religião natural do século XVIII triunfaram.                

De acordo com Harnack a essência do Cristianismo existe nisso, que as pessoas, pela manifestação, pela doutrina e pela vida de Jesus podem experimentar (“das Erlebnis”) que Deus é o Pai deles e eles são seus filhos. O sujeito do Evangelho primitivo não é o Filho, mas somente o Pai. Jesus não pregava a si mesmo. Ele não tinha uma Cristologia. Jesus é o caminho ao Pai. Milhares chegaram ao Pai por meio dele. Ele é a realização pessoal e o poder do Evangelho. Como Jesus tinha recebido esse conhecimento completamente único de Deus, Harnack não explica. Ele somente se refere ao mistério da personalidade dele. Nós chegamos à comunhão com Deus, à paz da alma, à vitória deste mundo por meio da fé no evangelho de Jesus. Essa fé não existe na aceitação de uma doutrina, porque o evangelho não é uma doutrina, mas uma boa mensagem; ela existe numa experiência moral, no cumprir da vontade do Pai, numa vida de acordo com o evangelho de Jesus, numa experiência particular da alma, que Jesus efetua em nós pela sua manifestação, sua palavra e sua vida.

 



[1] Dr. H. Bavinck, Verzamelde Opstellen op het gebied van Godsdienst en Wetenschap (Kok, Kampen 1921), p. 17-34;  

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