Vós sois o sal da terra (2)




                                                               “Vós sois o sal da terra”

Essas palavras foram originalmente escritas em grego, e nunca teriam tido um impacto tão grande se não tivessem sido traduzidas para a linguagem do povo. Uma das maiores bênçãos da Reforma foi a tradução da Bíblia (Em primeiro lugar por Erasmus, e depois por Lutero) para a língua nativa. Assim as pessoas aprenderam o mandamento do Senhor: “Vós sois o sal da terra”.
Lutero quis levar a palavra de Deus ao povo. Ele escreveu um hino que diz: “De Deus o Verbo ficará, sabemos com certeza. E nada nos perturbará, com Cristo por defesa”. A palavra de Deus tinha que ser pregada, semeada nos corações, onde devia produzir frutos. Como Jesus disse: “Vós sois o sal da terra”!
O sal dá sabor à comida, mas isso não funciona se o sal ficar dentro do saleiro. O sal deve sair e ter contato com a carne; ele deve penetrar na carne para ser efetivo.
Isso é um exemplo para a igreja. “Vós sois o sal da terra”, disse Jesus. Vocês não podem se isolar na igreja. Vocês têm que fazer contato com a vizinhança e dar sabor ao seu contexto. O sabor de Cristo deve ser compartilhado com outras pessoas que não o conhecem, em qualquer parte do mundo.
Paulo fala sobre isso em 1 Cor. 9, 19-23, dizendo: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns”.
Paulo se esforçou o máximo possível para ganhar outras pessoas em favor de Cristo. Aqui, em 1 Cor. 9, ele apresenta o seu método de trabalhar como modelo para nós. Porém a grande pergunta é: como funciona isso no nosso evangelismo? O fim justifica os meios? Podemos realmente fazer de tudo para ganhar as pessoas?
Se a posição submissa das mulheres dentro da igreja for um obstáculo para as mulheres mais emancipadas fora da igreja, a igreja deve se adaptar para ganhá-las? Ou, se a igreja é uma comunidade familiar, onde as pessoas solteiras, os celibatários e os homossexuais não se sentem confortáveis porque não são casados, a igreja deve se adaptar? Paulo se adaptou às subculturas da época dele, então nós devemos nos adaptar às subculturas que se apresentam hoje em dia?
Nós somos chamados a ser o sal da terra, mas Jesus também nos avisou, dizendo: “ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5,13).
A história do povo de Deus no Antigo Testamento nos mostra que existem dois perigos que ameaçam o papel Missional da igreja. Por um lado existe A ISOLAÇÃO e por outro lado a ASSIMILAÇÃO.
Michael Goheen, um ex-plantador de Igrejas das Christian Reformed Churches, que trabalhou durante sete anos na cidade de Hamilton (Ontario, Canada) e que era professor do Trinity Western University, escreveu um livro, que foi traduzido em 2014, com o título:  A Igreja Missional na Bíblia. Luz para as nações.
Nesse livro, ele nos explica como Israel foi chamado para ser “uma luz para as nações”. Mas não era fácil ser uma luz para as nações. Israel tinha que lutar contra muitos tipos de idolatria. O povo de Israel se tornou idólatra e foi enviado em exílio por causa disso. Durante esse período do exílio, Israel lutou para manter a sua identidade (veja os livros de Jeremias e Ezequiel), mas por outro lado eles lutaram também contra a assimilação (veja o livro de Daniel). No final, Goheen mostra que Israel se isolou com a ideia de que era o povo eleito de Deus. Israel demonstrou um exclusivismo etnocêntrico que afirmou o privilégio de Israel em contraste com as outras nações. Essa foi a situação na época de Jesus, que chamou os seus discípulos para ser a luz do mundo e o sal da terra!
A questão é: como podemos, sendo igrejas reformadas, cumprir o nosso papel Missional e o mandato que Cristo nos deu?
As igrejas reformadas nos Países Baixos são confrontadas com uma onda enorme de secularização e lutam contra a assimilação. Faz dois anos que visitei o último culto da minha primeira congregação na Holanda. Ouvi ali que, semanalmente, duas igrejas fecham as portas; a cada ano, o número das igrejas reformadas (libertadas) diminuem com 700 pessoas; existem várias denominações reformadas, mas todas perdem muitos membros. A grande Igreja Protestante de Holanda (PKN) perde anualmente 7000 membros!!
As igrejas reformadas estão se esforçando para manter a sua identidade; elas querem ser uma luz para as nações, mas existem muitas questões internas, que são causadas pela assimilação ao contexto cultural dessas igrejas, como, por exemplo, o papel da mulher na igreja e a posição da igreja a respeito dos homossexuais.
As igrejas reformadas no Canadá vivem também num contexto multicultural e experimentam a secularização, mas elas são mais isoladas. Por um lado, porque são uma comunidade de imigrantes holandeses (com seu “Dutch Bingo” = o costume dos membros de rastrear as relações dos outros de acordo com a sua identidade holandesa); e, por outro lado, porque elas preferem a isolação, de acordo com o lema antigo “NA NOSSA ISOLAÇÃO ESTÁ A NOSSA FORÇA”. As igrejas canadenses estão crescendo, mas esse crescimento está diminuindo desde 2008, e isso tem a ver com a diminuição do tamanho das famílias. Quer dizer que o crescimento é principalmente interno, o resultado do nascimento de filhos.
Claro, nós podemos mencionar muitos projetos missionários que são apoiados pelas igrejas reformadas fora do Brasil e também poderíamos contar como Deus abençoou o trabalho de Cristo em vários campos missionários, que estão espalhados neste mundo. Mas isso não deve tirar o foco do papel Missional que as igrejas reformadas têm no próprio país. A questão é como as igrejas reformadas no Canadá funcionam em sua sociedade canadense e como a sua posição isolada dialoga com o mandato de Cristo: “Vós sois o sal da terra”! E ao mesmo tempo devemos avaliar a posição das igrejas reformadas do Brasil, que vivem também isoladamente e devem cumprir este mandato: “Vós sois o sal da terra!” na região onde se encontram.
Observando a época da Reforma, podemos dizer que Lutero nos demonstrou um bom exemplo da Contextualização do Evangelho. Especialmente a respeito da doutrina da Salvação. A convicção universal na Europa, na época medieval, era assim: “as indulgências salvam a sua vida”. Mas Lutero, depois de ter lido a Bíblia e especialmente a carta de Paulo aos Romanos, descobriu que isso não era verdade. Ele já tinha pregado três vezes contra as indulgências em 1516, e em 1517 ele publicou as suas 95 teses contra aquela prática enganadora, guiando a igreja da idolatria e das indulgências para Cristo, que é o verdadeiro Salvador das almas. Lutero podia se isolar no monastério, mas ele não fez isso. Ele também não se assimilou com a cultura daquela época, que comercializou o evangelho, vendendo as indulgências, mas ele lutou contra isso. Ele funcionou como o fermento que transforma a massa inteira. Ele praticou o que Jesus nos mandou fazer: “Vós sois o sal da terra”! O ato de Lutero levou as pessoas de volta para Cristo. O sabor de Cristo ficou notável nas igrejas ‘reformadas’, de tal maneira que hoje, depois de mais de 500  anos, as igrejas ‘reformadas’ (incluindo igrejas luteranas, anglicanas, presbiterianas) espalhadas no mundo inteiro podem comemorar a grande reforma, que nos ensinou: Só a Deus a gloria, só por Cristo, só pela Escritura, só pela Graça somos salvos. 

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