A rejeição da Reprovação Contestada
Caros leitores,
Ontem li um artigo de Fred H. Klooster (veja: Calvin Theological
Jornal, Volume 19, 1, abril 1984) sobre o caso de Harry R. Boer, que teve
problemas com os Cânones de Dordt, especialmente com os artigos I, 6 e I, 15,
que falam sobre a Reprovação. O caso foi tratado pelo Concílio Nacional da
“Christian Reformed Church”, nos Estados Unidos.
O artigo
é uma avaliação do livro de Harry R. Boer, “The Doctrine of Reprobation in the
Christian Reformed Church” (1983). Fred Klooster coloca o livro em seu
contexto histórico e conta a história do missionário Harry R. Boer, que começou
a ter questões a respeito da doutrina da Reprovação desde os anos 60. Não
preciso contar todos os detalhes aqui. Após um longo caminho eclesiástico o
caso chegou à mesa do Sínodo Nacional da “Christian Reformed Church”, no início
dos anos 80.
O que chamou a minha atenção foi a interpretação errônea
de Harry R. Boer, que defende que os Cânones de Dordt ensinam uma forma de
fatalismo ou determinismo. De acordo com Boer os Cânones ensinam que Deus, por
meio de um decreto eterno, elegeu alguns e reprovou os outros, e por causa
disso Ele é a causa do pecado e da impiedade do homem. O Sínodo rejeitou essa
interpretação e deixou claro que os Cânones não ensinam isso. Klooster confirma
isso nesse artigo. Ele aponta para alguma coisa que reconheci também na
literatura arminiana, que tem sido publicada aqui no Brasil nos últimos anos.
Tanto Boer, como também os arminianos modernos lutam contra uma caricatura dos
Cânones. Essa caricatura é uma interpretação “hyper supralapsarian”[1].
De acordo com essa ideia errônea, Deus decidiu antes da fundação do mundo 1)
eleger alguns; e 2) reprovar os outros sem contar com algum mérito deles. Eles
ensinam uma dupla predestinação, mas os Cânones de Dordt não ensinam isso! Os
Cânones falam sobre um só decreto de eleição. Veja o artigo I, 8:
“A eleição não é variada, mas ela é única e para todos os que são
salvos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. Pois a Escritura
nos prega um único bom propósito e conselho da vontade de Deus, pelo qual Ele
nos escolheu desde a eternidade, tanto para a graça como para a glória, assim
também para a salvação e para o caminho da salvação, o qual preparou de antemão
para que andássemos nele (Ef 1,4-5; 2,10)”.
A causa
dessa eleição graciosa é somente o bom propósito de Deus. Quando se fala sobre
a Reprovação (1,15), se diz:
A Escritura Sagrada mostra e recomenda o privilégio desta graça eterna e
imerecida da nossa eleição, especialmente quando,
além disso, testifica que nem todos os homens são eleitos, mas que alguns não o
são, ou seja, Deus os deixou na sua
miséria.
Prestem atenção que no
original se diz “Deus os passou em sua predestinação eterna”. A ideia é que
Deus escolheu (ativamente) alguns, e a consequência dessa eleição é que os
outros não foram escolhidos. Deus os deixou em sua miséria. Ele “passou” os
outros. Os Cânones não querem dizer que ele rejeitou (ativamente) os outros.
Isso significaria que existem duas decisões, uma da eleição e outra da
rejeição. O Artigo 8 diz, de propósito, que existe um só decreto de eleição.
É bom notar isso! É bom notar isso antes de ler os
livros dos arminianos que fazem uma caricatura da fé reformada. Como, por
exemplo, o de Lourence M. Vance, O outro
lado do Calvinismo. O próprio Sínodo de Dordt já tinha avisado contra isso
na conclusão. Ali está escrito: “torna-se
evidente que alguns agiram muito imprópria e contrariamente à toda verdade,
equidade e amor, desejando persuadir o povo do seguinte:
“A mesma doutrina ensina que Deus tem predestinado e criado a maior
parte da humanidade para a condenação eterna só por um ato arbitrário de Sua
vontade sem levar em conta qualquer pecado’ –“ Da mesma maneira pela qual a
eleição é a fonte e a causa da fé e boas obras, a reprovação é a causa da
incredulidade e impiedade”.
Há muitas outras coisas
semelhantes que as Igrejas Reformadas não apenas não confessam, mas também
repelem de todo coração!
Quem quer ler mais sobre
isso deve comprar o livro de Peter Y. de Jong (org.), “Crise nas Igrejas
Reformadas - Artigos em comemoração ao Grande Sínodo de Dordt, 1618-1619”; especialmente
o artigo de Fred H. Klooster, “Os resgates doutrinários de Dordt”. Este artigo
foi escrito em 1968! Então, bem antes do momento que o caso de Harry R. Boer
foi tratado eclesiasticamente na Christian Reformed Church. Mas ele mesmo faz
uma referência aquele artigo no livro de Peter Y. de Jong.
Um pouco depois dessas discussões dentro da Christian
Reformed Church, o dr. Don Sinnema defendeu a tese dele, em 1985. Don Sinnema
foi um dos primeiros palestrantes nas nossas conferências de Dordt 400. Quando ele esteve
aqui no Brasil ele me deu um cópia do seu livro “The Issue of Reprobation at the Synod of Dordt (1618-1619) in light of
the history of this Doctrine”. Neste livro, ele segue a mesma linha do Sínodo da
Christian Reformed Church e de Fred Klooster, mas oferece muito mais detalhes
históricos e também detalhes que vêm das atas e das discussões dentro de Sínodo
de Dordt, que confirmam que o Sínodo não ensinou um fatalismo ou determinismo.
Pode ser que houve no passado alguns teólogos como, por exemplo, João Piscator
(1546-1625), que se expressou extremamente nas discussões com os Remonstrantes
e que alimentou o fatalismo, mas o Sínodo não seguiu esses raciocínios. Pelo
contrário! Ao final de todos os debates houve até umas discussões sobre as
expressões duras que foram registradas. Os delegados de Bremen e Hessen tinham
dificuldades com essas expressões “duras e horríveis”[2],
e eles receberam o apoio dos delegados da Inglaterra. Por causa disso houve
debates sobre isso, e encontramos o resultado desses debates na Conclusão dos Cânones de Dordt. Nesta Conclusão várias opiniões extremas,
tanto dos Remonstrantes como também de alguns Reformados, foram rejeitadas.
Termino com a exortação
do próprio Sínodo que disse;
“Portanto,
este Sínodo de Dordt conclama, em nome do
Senhor, a todos os que piedosamente invocam o nosso Salvador Jesus Cristo, que
não julguem a fé das Igrejas Reformadas a partir das calúnias juntadas daqui e
dali, nem tão pouco a partir de declarações pessoais de alguns professores,
modernos ou antigos, que muitas vezes são citadas em má fé, distorcidas e
explicadas de forma oposta ao seu sentido real.
Mas deve-se julgar a fé das Igrejas
Reformadas pelas Confissões públicas destas Igrejas, e pela presente declaração
da ortodoxa doutrina, confirmada pelo consenso unânime de cada um dos membros
de todo o Sínodo.
Além do mais, o Sínodo adverte aos caluniosos
para que considerem o severo julgamento de Deus à espera deles, por falar falso
testemunho contra tantas igrejas e contra as Confissões delas, e por conturbar
as consciências dos fracos e por tentar colocar em suspeito, aos olhos de
muitos, a comunidade dos verdadeiros crentes.
Abram
de Graaf
Parabéns Pr. Abram de Graaf. Um artigo muito rico em história e teologia de pontos doutrinários de nossa fé. Bem relevante para o contexto atual. Nos brinde com mais artigos dessa natureza! Abç ;)
ResponderExcluirGrato pelo feedback! Novos artigos em breve.
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