Só Salmos no Culto da Igreja?




Só Salmos no Culto da Igreja?

Faz tempo que a editora Puritan Reprints editou o livro de Brian M. Schwertley, Exclusive Psalmody: A biblical defense. O livro foi traduzido para o português e defende que na igreja só se deve cantar, exclusivamente, os Salmos que são inspirados pelo Espírito Santo.
Eu li esse livro com muita simpatia. Provavelmente porque cresci numa pequena cidade puritana na Holanda, onde os crentes da igreja reformada gostavam de cantar os salmos do Antigo Testamento. Frequentei uma escola reformada, onde os alunos deviam memorizar um salmo a cada semana, e cada segunda-feira pela manhã os professores verificavam se nós conhecíamos o salmo daquela semana. Assim eu aprendi a cantar todos os salmos que encontramos na Bíblia. E, junto comigo, muitos outros alunos, porque o costume de memorizar os salmos era um costume geral, que até hoje se encontra em todas as escolas reformadas na Holanda.
Cresci numa casa onde a minha mãe cantava os salmos enquanto estava trabalhando na cozinha e o meu pai era membro de um coral composto por mais de 100 homens, que se reunia todo sábado à noite para cantar salmos, hinos e cânticos espirituais. Muitas vezes eu acompanhei o coral quando iam cantar em outros lugares, e gostava de ouvir as vozes baixas, cantando com temor. Então cresci e me tornei pastor, tendo os salmos de Davi no coração. E sendo pastor sempre gostei de cantar os salmos no culto ou junto com os meus alunos nas aulas de catecismo.
Por quê? Porque os salmos têm uma profundidade espiritual, que nos traz consolo nos momentos de angústia; eles nos edificam quando a nossa fé está fraca e nos exortam nos momentos difíceis. Sendo pastor, eu visitei muitos membros nos hospitais e sempre li o livro dos salmos para os consolar; visitei pacientes que sofriam de Alzheimer, mas sempre consegui atingir a alma deles usando o livro dos salmos. Eles não conheciam mais os seus filhos e netos, mas eles conheciam, sim, os salmos de Davi ou de Coré: Como a corça bramindo por águas correntes, assim minha alma está bramindo por ti, ó meu Deus!
Reconheci o desejo do autor, Schwertley, de cantar os salmos. E reconheço também o
zelo do pastor Josafá Vasconcelos, que introduziu este livrinho. Ele gosta de cantar os salmos no culto. Nós, em Maceió, também. Nós até formamos, no passado, uma comissão que estava trabalhando para traduzir mais salmos e para adaptar a música de tal maneira que pudéssemos cantá-los em nossos cultos.
Porém, eu não estou convencido da ideia dos irmãos de que devemos cantar exclusivamente os salmos, e sem instrumento algum. Por causa disso quero avaliar o livro de Brian Schwertley com muita simpatia, mas também com certas críticas.
Quero começar esta avaliação dando atenção a um texto fundamental sobre este assunto, Efésios 5,19: Falai uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração. No versículo anterior o apóstolo disse que devemos buscar a plenitude do Espírito, e logo depois ele continua e diz: Falai uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração. Existem pessoas que dizem que este texto não tem nada a ver com o culto, mas eu não entendo isso. Considerando que os salmos foram destinados para o culto a Deus, podemos dizer que a ideia de Paulo é que A RIQUEZA DO ESPÍRITO SANTO SE MANIFESTA NO CULTO ATRAVÉS DOS SALMOS, HINOS E DOS CÂNTICOS ESPIRITUAIS.
Quero dizer um pouco mais sobre isso, e fazendo isso me baseio na palavra de Deus, que é a única regra da nossa fé. Em primeiro lugar, quero dizer alguma coisa sobre 1) O OBJETIVO DOS CÂNTICOS NO CULTO. E depois disso, sobre 2) O CONTEÚDO DOS CÂNTICOS NO CULTO;

1) O OBJETIVO DOS CÂNTICOS NO CULTO

Antes de falar sobre o papel específico dos cânticos dentro do nosso culto, é bom falar mais em geral sobre o Princípio Regulador do Culto; este princípio regulador define a ordem do culto e define também o conteúdo.
Em geral, podemos dizer que A PALAVRA DE DEUS decide sobre o conteúdo do culto. Um dos textos básicos que definiu o culto das Igrejas Reformadas é Atos 2,42-47. Um trecho que fala sobre a obra do espírito Santo na primeira congregação. O texto diz o seguinte: E perseveraram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais foram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo.
Esse trecho nos mostra 5 elementos básicos do culto da igreja cristã do primeiro século. Cinco elementos básicos que nós encontramos até hoje nos cultos das igrejas reformadas:

a) A perseverança na doutrina dos apóstolos: A pregação da palavra do Senhor;
b) A perseverança na comunhão: A comunhão dos santos através de grandes sacrifícios financeiros para ajudar os irmãos necessitados;
c) A perseverança no partir do pão: A celebração periódica da Santa Ceia;
d) A perseverança nas orações: As orações;
e) A perseverança no louvor a Deus: Os louvores no Culto;

Então, a pregação da Palavra de Deus, o uso dos Sacramentos: Santa Ceia e
Batismo, as Orações, as Ofertas e os Cânticos são os 5 elementos básicos do culto da igreja Cristã desde o início até hoje!
Agora, observando esses 5 elementos básicos, existem pessoas que dizem que dentro destes 5 a Pregação da Palavra de Deus tem a primazia; as igrejas Reformadas defenderam isso no século XVI, observando o culto antigo da Igreja de Roma, onde a pregação da Palavra foi sufocada pelos outros elementos: especialmente os sete sacramentos, os louvores pelos corais, as orações aos santos e as inúmeras ofertas.
As Igrejas Reformadas redescobriram o valor e o papel da pregação da Palavra de Deus e a colocaram em primeiro lugar. Todos os outros elementos ficaram subordinados à Pregação da Palavra de Deus; esse princípio é bíblico, e devemos guardá-lo. Mas, às vezes, podemos ouvir discussões sobre o papel principal da Pregação; especialmente se uma pessoa quer defender um papel maior dos Cânticos dentro do culto. Várias vezes já ouvi dizer que o papel dos cânticos dentro do culto deve ser limitado, para não sufocar a pregação da Palavra de Deus.
Por um lado, concordamos com isso, porque não queremos voltar à situação em que a pregação da Palavra foi sufocada dentro da igreja, mas por outro lado devemos ter cuidado para não criarmos um conflito entre a Pregação da Palavra e o Papel dos Louvores dentro do Culto. Às vezes, ouvindo certas discussões, parece que os dois são oponentes. A pregação da Palavra de um lado e os Cânticos do outro lado. Os dois lutando para ter mais espaço no culto!
Porém, a Palavra de Deus não dá essa impressão. A Palavra de Deus não coloca os
Salmos e Hinos contra a Pregação da Palavra. Ao contrário! Em Colossenses 3, 16 o apóstolo Paulo diz à congregação: Habite, ricamente, em vós, a palavra de Cristo; e logo depois ele continua a dizer: instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com Salmos, e Hinos e Cânticos Espirituais. E em Efésios 5, 18 e 19 Paulo diz a mesma coisa: enchei-vos do Espírito Santo, falando entre vós com salmos, com hinos e cânticos espirituais, entoando e louvando de coração ao Senhor.
Paulo quer dizer que a pregação da Palavra de Deus e os Cânticos são amigos. Eles andam lado ao lado. O Espírito Santo usa ambos. Pregando a Palavra e louvando a Deus, a Palavra de Cristo habitará ricamente em nós. A Palavra vem de Deus, e os Salmos, Hinos e Cânticos espirituais também! O Espírito Santo inspirou os profetas para falar, mas também para cantar. Tanto os livros proféticos, quanto os livros poéticos são inspirados pelo Espírito Santo.
E ambos dependem do grande mandamento, que é também o grande princípio regulador do culto da igreja. Este grande princípio regulador do culto é este: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. E, consequentemente, também tudo o que acontece no culto depende deste grande mandamento.
A pregação da Palavra de Deus serve para nos ensinar a cumprir esse grande mandamento; os sacramentos nos mostram como Cristo Jesus cumpriu esse grande
mandamento; a comunhão obtida através das ofertas nos ensina como devemos cumprir
a segunda parte desse grande mandamento; e, fazendo isso, o nome de Deus será glorificado. As orações servem tanto para glorificar o nosso Deus (a primeira parte) como em favor do nosso próximo (a segunda parte do grande mandamento); e, finalmente: Os Salmos e Hinos servem tanto para glorificar o nosso Deus, como também para edificar e consolar o nosso próximo.
Como Paulo diz: enchei-vos do espírito Santo, falando entre vós com salmos, com hinos e cânticos espirituais, entoando e louvando de coração ao Senhor. O que Paulo quer dizer com esta expressão (Ef. 5,19) falai uns aos outros? Parece-me que ele quer dizer algo sobre o papel dos salmos e dos hinos; eles funcionam como uma linguagem espiritual que transmite uma mensagem. Os Salmos refletem as emoções profundas dos profetas e de alguns sacerdotes do AT; emoções profundas e espirituais que todos os crentes têm. Cantando estes salmos e hinos nós nos comunicamos espiritualmente uns com os outros. P.e., o Salmo 130, Das profundezas clamo, é um salmo que exprime um sentimento profundo. Ele reflete o desejo de receber a remissão dos pecados.
Esta expressão de Paulo - falai uns aos outros com salmos - é muito importante, porque ela nos ensina que os salmos e hinos não foram dados aos crentes de forma particular, mas eles funcionam no meio da congregação; eles ajudam a comunicar os sentimentos profundos que o crente experimenta em sua aflição e em sua alegria perante Deus. Deus nos ajuda a falar uns aos outros, nos dando salmos e hinos que nos ajudam a exprimir os nossos sentimentos.
Davi era um pastor de ovelhas, mas também um excelente pastor do seu povo. Ele entendeu as suas ovelhas. Ele sentiu o que elas sentiram. Ele experimentou o que muitas delas experimentavam. Os Salmos são as pérolas e os diamantes do tesouro do Espírito Santo: Pérolas pastorais; os salmos foram feitos para ler, mas também para cantar, para experimentar, para consolar, para edificar e para exprimir a nossa tristeza e a nossa alegria perante Deus.

2) O CONTEÚDO DOS CÂNTICOS NO CULTO;

Paulo fala sobre três tipos de cânticos, sem definir bem as diferenças: Salmos, Hinos e
Cânticos Espirituais. Os três termos juntos indicam a plenitude de gratidão. O Pastor Josafá Vasconcelos diz (p.2): Foi difícil ter de concordar que os salmos, hinos e cânticos espirituais não eram os salmos, hinos e corinhos, e sim que o apóstolo estava utilizando os títulos comuns do livro dos salmos conforme se encontram em nossas Bíblias; e que era uma forma literária hebraica repetir com palavras diferentes o mesmo sentido.
Sei que um estudioso, na África do Sul, com o nome de Viljoen, fez uma pesquisa histórica, textual e lexical sobre o sentido das palavras psalmois, humnois e ooidais
pneumatikais na carta aos Colossenses e na carta aos Efésios. Ele chegou à conclusão de que as três palavras têm mais ou menos o mesmo sentido, mas existem diferenças.
Os Salmos: estes salmos se referem principalmente, mas não exclusivamente, aos
Salmos do Velho Testamento; por exemplo, em Lc. 20,42, 24,44, Atos 1,20 e Atos
13,33 a palavra psalmoi se refere aos Salmos do Velho Testamento; mas parece que
em 1 Co. 14,26 esta palavra se refere a um hino cristão, inspirado pelo Espírito
Santo.
Os Hinos são salmos ou cânticos que foram cantados em dueto: ou por duas pessoas ou por uma pessoa junto com um coral. Como, por exemplo, os salmos 135, 136, 137 e 138. Então, a palavra humnos se refere a um certo tipo de salmo e nos ensina que podemos cantar em dueto na igreja! Como Paulo diz: falai uns aos outros com salmos e hinos!
Cânticos espirituais são os cânticos que encontramos no Novo Testamento, nos evangelhos (os cânticos de Zacarias, de Maria, dos Anjos, de Simeão e de Ana), os cânticos nas cartas do Apóstolo Paulo (1 Tm. 3,16) e no Apocalipse (Ap. 5,9; 14,3 e 15,3). Cânticos novos, que não estavam no cânon do Antigo Testamento, mas que deviam ser considerados como cânticos espirituais! O adjetivo espirituais serve aqui para identificar esses cânticos como obra do Espírito Santo! Isso não quer dizer que somente esses cânticos novos são inspirados. Nada disso, este adjetivo espirituais serve para identificá-los como cânticos que vêm do Espírito Santo. Eles têm o mesmo nível que os Salmos e Hinos do Antigo Testamento!
Existe uma variedade e uma riqueza enorme. A Bíblia contém muitos Salmos, Hinos e
Cânticos Espirituais. Louvores, cânticos de Gratidão, salmos didáticos (32,42,43,44,51,52, 53.54), salmos sobre o templo (120-127), salmos para o Rei (2,18,20 e 21), salmos Messiânicos.
Esses salmos, Hinos e Cânticos espirituais servem para fortalecer a nossa fé em Jesus Cristo. Paulo diz, em Cl. 3,16: Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo. E depois disso ele fala sobre os mesmos Salmos, Hinos e Cânticos espirituais. Isso quer dizer que o conteúdo desses Salmos e Hinos é o Cristo Jesus. E, na verdade, muitos salmos no Antigo Testamento falam sobre o Cristo, e muitos Hinos e Cânticos espirituais do Novo Testamento também. E assim existem também muitos hinos novos, baseados em textos bíblicos que falam sobre Jesus Cristo. Como, por exemplo, o Hino Ao único que é digno de receber. Um hino baseado em 1 Timóteo 1,17! Ao Rei eterno, imortal, invisível, mas real: A Ele ministramos o louvor!. Este Hino pode ser considerado como Cântico espiritual; como também o Hino que é baseado em
Ap. 5,13: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor e a honra e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos! Amém!






























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