Só salmos no culto da igreja? - Parte 2
Já disse na
primeira parte que nós – aqui em
Maceió – cantamos os salmos com
muito prazer e ainda estamos nos esforçando para
complementar o nosso hinário com todos os salmos que
se encontram no Saltério do Antigo Testamento.
Faz um tempo que me esforcei para criar um hino baseado no texto de Lucas
1.46-55, e naquele momento encontrei certas dificuldades. São
perguntas ou dúvidas que tenho e que quero compartilhar com os leitores,
porque essas dificuldades tocam também na
questão de cantar exclusivamente
salmos e hinos inspirados.
Quem quer
tentar criar um hino para o culto baseado no texto do Antigo ou Novo
Testamento deve se perguntar
como será o texto desse hino. Vou dar um exemplo: usando o Salmo
16. O Salmo 16 é um salmo de Davi, e todo mundo concorda comigo no que diz
que Davi foi um profeta (Atos 2, 30) e que este salmo é
inspirado.
Agora, a
minha pergunta é a seguinte: qual é
inspirado? O texto como se encontra na Bíblia de
Jerusalém, que diz (16:2): “Eu disse a Jahweh: És tu o
meu Senhor: minha felicidade não está em
nenhum destes demônios da terra”? Ou o
texto que se encontra na Bíblia de
Genebra, que diz: “Digo ao Senhor: Tu és o meu Senhor; outro bem não
possuo, senão a ti somente. Quanto aos santos que há na terra, são eles os notáveis nos
quais tenho todo o meu prazer”? Ou o
texto original, que se encontra na Bíblia Hebraica?
E logo devemos nos perguntar: qual é o texto
original?
Sabemos
que o lugar do texto é danificado e por causa
disso existem grandes dificuldades para definir o texto do Salmo 16:2. Isso
explica também porque a Bíblia de
Genebra e a Bíblia de
Jerusalém produzem traduções
completamente diferentes. Conforme a Bíblia de
Jerusalém, Davi falou sobre ‘demônios’, e ele não sente nenhuma felicidade quando os observa;
mas conforme a Bíblia de
Genebra, Davi fala sobre ‘os santos que há na terra’, e ‘todo o
seu prazer está neles’. Me parece que o contraste é enorme.
Agora volto à minha pergunta: qual dos textos é
inspirado?
Nós temos o
Salmo 16 em nosso hinário, e o texto dessa estrofe
é assim:
Guarde-me Deus, porque em Ti confio.
Senhor, eu digo: Tu és meu
amo.
Nada eu valorizo mais que ti.
Quanto aos santos que estão na
terra,
Os nobres que mostram a ti respeito
Na companhia deles me deleito.
Esta estrofe foi feita
seguindo o texto da Bíblia de
Genebra. O autor (não sei quem foi) tentou
seguir fielmente esse texto. Me parece que ele conseguiu cativar a ideia que o
texto da Bíblia de
Genebra nos oferece; mas até comparando o texto da
estrofe com o texto da Bíblia de
Genebra nós podemos descobrir pequenas diferenças. Davi
não disse: tu és meu
amo; ele disse: tu és o meu Senhor! A respeito dos ‘santos’, podemos
nos perguntar: eles são ‘nobres’ ou ‘notáveis’? Um nobre
pode ser notável, mas existem pessoas ‘notáveis’ que não são ‘nobres’.
São diferenças
pequenas, e posso imaginar que o autor se esforçou para
reproduzir o texto da Bíblia fielmente.
Eu acho que ele conseguiu, mas posso agora também dizer
que o texto da estrofe é inspirado? E se não for
inspirado, posso cantá-lo no culto?
Mais uma
vez, pergunto: o que é inspirado? A tradução de
Genebra, a tradução da
Bíblia de
Jerusalém ou o texto da Bíblia Hebraica Sturttgartensia, que é
danificado? Vamos supor que o texto da Bíblia
Hebraica Stuttgartensia é
inspirado. A respeito do texto da Bíblia Hebraica
o Senhor disse: “Tudo o quanto eu te ordeno observarás; nada lhe acrescentarás nem
diminuirás” (Cf. Deuteronômio 4:2;
Jeremias 7: 24,31; 19,5; 1
Reis 12: 32-33; Números 15:39-40). Pensando
nisso, me pergunto: podemos acrescentar ou diminuir o texto inspirado a fim de
adaptar os salmos para serem cantados no culto? Queria ouvir a opinião de
Brian M. Schwertley ou do pastor Josafá
Vasconcelos sobre este assunto, porque certamente eles cantam os salmos nos
cultos. Mas sem dúvida eles ‘adaptaram’ o texto
dos salmos para que coubesse na melodia e ritmo da música. O
Salmo que eles cantam é o produto do trabalho de
homens santos, mas não é mais o
texto inspirado. Se a ideia é correta, que só podemos
cantar salmos inspirados, devemos
cantar o texto que é inspirado e nada mais!!
Devemos voltar para o Antigo Testamento e cantar os salmos inspirados na língua
Hebraica! Isso seria absurdo e duvido que os autores querem aceitar esta
consequência.
Então, prefiro dizer: podemos cantar salmos e hinos que são baseados no texto inspirado da Bíblia.
Os salmos e hinos que temos no nosso Hinário devem
ser fiéis
ao texto inspirado da Bíblia. Devemos
nos esforçar para criar Salmos e Hinos que
refletem fielmente a mensagem do texto da Bíblia. O nosso
Hinário não é igual à lei de
Moisés. Não posso acrescentar nem
diminuir a lei de Moisés, e acredito que essa
regra se refere a toda a Palavra de Deus. Não podemos
mudar a Palavra de Deus. Mas o
nosso Hinário e as nossas confissões (!)
não são iguais à Palavra
de Deus. São
produtos de homens que foram guiados pelo Espírito
Santo; eles se basearam nas sagradas Escrituras,
mas trabalharam na liberdade cristã: com
santa criatividade e grande responsabilidade. Os Salmos e Hinos em
nosso Hinário e em nossas
confissões não são iguais à Palavra
de Deus, mas têm uma autoridade enquanto
são fiéis à santa
Palavra de Deus, que é a única
fonte da nossa fé.
Agora,
quando trabalhamos para criar um hino, devemos ser fiéis às
sagradas escrituras. Mas isso não quer dizer que devemos
seguir a ordem do texto da Bíblia Hebraica
literalmente. Há Bíblias que fizeram
isso, mas o resultado não foi um sucesso, porque tal
tradução é muito complicada e difícil de
entender. Prefiro as traduções literais, mas sei que em
certos casos precisamos de uma certa dinâmica para
traduzir o texto de tal forma que a mensagem fique clara para os leitores que
vivem numa outra época e numa outra cultura. E isso se refere à tradução do
texto sagrado da Bíblia! Criar
um salmo ou hino baseado nessa tradução é, ainda,
uma coisa diferente. Quem quer criar um salmo ou hino se baseando no texto da Bíblia deve também contar
com o ritmo da música. Este trabalho é ainda
mais complicado e requer muita espiritualidade. Mas, mesmo assim, o texto do
salmo não se tornará inspirado. O texto das
nossas confissões não é
inspirado, mas apesar disso usamos este texto no culto!
Temos
também hinos que refletem uma doutrina das Sagradas Escrituras. Eles não são
baseados em um só texto da Bíblia, mas em
vários textos. Existe, por exemplo, o Hino:
“Tu es
soberano sobre a terra,
sobre o céu, tu és Senhor
Absoluto.
Tudo que existe e acontece, Tu sabes muito
bem
Tu és tremendo. E apesar dessa glória que
tens,
Tu te importas comigo também.
E esse amor tão
grande, eleva-me,
Amarra-me a ti, tu és
tremendo!”
Como os outros hinos, o
texto desse hino também não é
inspirado. Existem hinos que se baseiam num só texto da
Bíblia; esse
Hino se baseia em vários. Reconheço
Apocalipse 1.5, que fala sobre a soberania de Jesus Cristo, nosso Senhor.
Reconheço também o Salmo 139, que fala
sobre a onisciência de Deus. Ele sabe tudo da minha vida e põe a sua mão sobre
mim. Ele sabe tudo o que existe e acontece, mas apesar disso ele se importa
comigo também. Isso é maravilhoso demais! O amor
de Deus nos conquista.
Sei que nós não
encontramos o texto desse Hino literalmente na Bíblia, mas
isso não quer dizer que a mensagem é errada
ou falsa! Nós também não
encontraremos o texto do artigo 1 da Confissão Belga
literalmente na Bíblia, mas
confesso que esse texto é fiel à palavra
de Deus. Uso esse texto para ensinar a verdade aos meus alunos e até exijo
que eles memorizem esse texto.
Os meus
professores no ensino fundamental fizeram a mesma coisa comigo, ensinando os
salmos e hinos que foram adotados pelo Sínodo
(Middelburg 1933) das Igrejas Reformadas na Holanda. Muitas gerações
aprenderam esses salmos e os cantaram com muito carinho e amor. Esses salmos
serviam para edificar as crianças, para exortar os jovens e
para consolar os idosos. Esses salmos tinham muito poder. Por quê? Porque
esses salmos eram baseados na Palavra de Deus. As pessoas reconheceram as
palavras do Senhor.
Agora, a
língua sempre muda, tanto na Holanda como aqui no Brasil.
Então, chegou o momento – nos anos
setentas – em que o Sínodo das igrejas reformadas
(Kampen 1975) decidiu renovar o antigo Hinário.
Muitas palavras no Hinário antigo se tornaram
antiquadas. Uma renovação era necessária para
as próximas gerações. O Sínodo
tinha a liberdade de decidir sobre esse assunto, porque o texto do hinário não era
inspirado; apesar do fato de que muitas pessoas idosas não
gostavam da renovação, porque tinham aprendido a cantar os salmos no texto
antigo. Elas amavam profundamente os salmos do hinário
antigo. O texto era quase ‘inspirado’ para
eles. Eu senti a mudança também.
Aprendi os salmos ‘antigos’, e às vezes
sinto saudades destes, mas entendi os motivos do Sínodo. O
texto do hinário não é
inspirado. A Bíblia, sim; o
Hinário, não.
Me parece
impossível cantar o texto inspirado dos salmos e hinos que
encontramos na
Bíblia. Impossível
porque esse texto se encontra em Hebraico e Grego. Podemos cantar salmos e
hinos que são baseados
nas sagradas Escrituras. Esses Salmos e Hinos devem ser fiéis à santa
Palavra de Deus. Fiéis ao texto da Bíblia e à doutrina
da Bíblia. Assim
podemos também cantar hinos doutrinários, que se basearam em vários
textos da Bíblia. Se não pudermos cantar esses hinos, devemos também proibir o uso das confissões no culto.
Comentários
Postar um comentário